Cartilha do MEC cita estudo da UFSC que relaciona uso de telas com alimentação menos saudável

O ano escolar inicia com uma novidade em todo o Brasil: a restrição do uso de celulares nas escolas públicas e privadas. O objetivo é proteger a saúde mental, física e emocional de crianças e adolescentes. Em uma cartilha elaborada para orientar sobre a implementação da nova Lei nº 15.100, o Ministério da Educação (MEC) também explica quais são os problemas causados pelo uso de dispositivos eletrônicos portáteis e apresenta outras consequências negativas do uso de telas, entre elas sua correlação com a ingestão de alimentos menos saudáveis e o sobrepeso. A referência científica para esses dados foi um estudo produzido pelo departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Com o título “Conscientização para o uso de celulares na escola: por que precisamos falar sobre isso?”, o documento do MEC cita o artigo “Associação entre o uso de tela no período noturno e consumo alimentar no jantar e lanche da noite em escolares de 7 a 14 anos com e sem sobrepeso, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil”. O trabalho foi publicado na edição de maio de 2024 na Revista de Nutrição (Brazilian Journal of Nutrition), integrando o dossiê: “Insegurança alimentar, fome e obesidade no Brasil contemporâneo”. A pesquisa mostrou haver uma correlação maior entre o uso de telas à noite e o consumo de alimentos não saudáveis, além de uma menor ingestão de comidas saudáveis. 

“Os escolares com e sem sobrepeso que utilizaram dispositivo de tela tiveram mais chances de consumir alimentos ultraprocessados. Os escolares sem sobrepeso que utilizam dispositivo de tela mais vezes à noite possuem menor chance de consumir alimentos saudáveis”, resumiram as pesquisadoras. O estudo teve uma amostra probabilística de 1.396 escolares de 7 a 14 anos de idade de escolas públicas e privadas da capital catarinense. 

A pesquisa é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Larissa Cristina Basniak e Shandra de Souza da Costa. Elas foram orientadas pela professora Patrícia de Fragas Hinnig e co-orientadas pela pesquisadora Denise Miguel Teixeira Roberto – que na época era doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGN/UFSC). Todas elas assinam no artigo, além da professora Francilene Gracieli Kunradi Vieira. Para a orientadora Patrícia, receber a notícia de que o trabalho serviu como referência para a cartilha do MEC foi extremamente gratificante: “Como pesquisadora, nosso objetivo é gerar conhecimento que tenha aplicabilidade e impacto na sociedade, e ver esse trabalho orientando um documento que chega a professores e famílias em todo o Brasil é motivo de orgulho.”

A pesquisadora ressalta também a relevância do tema para o enfrentamento de problemas atuais envolvendo a rotina dos estudantes: “a pesquisa trouxe evidências sobre a relação entre o uso de telas no período noturno e o consumo alimentar de crianças e adolescentes, o que reforça a necessidade de um olhar atento para os hábitos digitais e sua influência na saúde. Saber que esses achados estão ajudando na formulação de diretrizes educacionais e no debate sobre o uso consciente da tecnologia no ambiente escolar é uma grande realização acadêmica e pessoal.”

A co-orientadora Denise também expressou sua satisfação ao saber que o estudo contribuiu para fundamentar uma legislação que visa promover boas práticas pedagógicas e reduzir o sofrimento emocional causado pelo uso excessivo de dispositivos: “Eu senti uma felicidade tão grande, porque foi um reconhecimento de nosso esforço. Quando publicamos um artigo, muito trabalho já aconteceu para que pudéssemos ter esses resultados. No caso do 4º levantamento do projeto EPOCA (Estudo de Prevalência da Obesidade em Crianças e Adolescentes de Florianópolis, SC), o grupo de pesquisa começou o planejamento em 2017, a coleta dados durou mais de um ano e contou com uma equipe de voluntários que ia todos os dias nas escolas para obter as informações das crianças e adolescentes. Então essa citação representou um reconhecimento por toda a dedicação envolvida em todas etapas do estudo.”

Para Denise, o objetivo final da pesquisa acadêmica na área de Nutrição é contribuir para o bem-estar da sociedade e a melhoria da saúde da população. Nesse sentido, a citação do estudo indica, segundo ela, “um passo muito importante na busca por encontrar respostas para questões relevantes para a sociedade”. Ao mesmo tempo em que é um estímulo para seguirem na busca por caminhos para solucionar os problemas sociais:  “Esse retorno tem o potencial de retroalimentar o campo científico no sentido de que a população possa sempre colaborar com as pesquisas para que possamos avançar enquanto sociedade.”

Dados 

A pesquisa da UFSC não mediu o tempo exato de uso de telas, mas sua frequência. O tempo de uso de telas no período noturno foi classificado em quatro categorias: não usa (36,8%); faz uso uma vez (36,6%); faz uso duas vezes (20%); faz uso três vezes ou mais (6,6%). Os dispositivos mais utilizados foram celulares e tablets (41,2%) e televisão (34,8%). A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2018 e dezembro de 2019, por meio de questionário on-line preenchido pelos estudantes com informações sobre o dia anterior. As autoras fazem a ressalva de que o questionário coletou dados de um único dia, o que pode não representar com precisão o consumo alimentar e os hábitos de uso de tela diários dos estudantes.

Os resultados indicaram que estudantes que usam telas com mais frequência no período noturno demonstraram menor probabilidade de consumir alimentos considerados saudáveis, como frutas, verduras e legumes, cereais, carnes, ovos e peixes. Além disso, o uso frequente de telas está associado a um maior consumo de alimentos não saudáveis, como doces, ultraprocessados e lanches. Também foi observada a substituição de alimentos in natura por ultraprocessados. “Uma hipótese que pode explicar o fato de crianças e adolescentes consumirem mais alimentos ultraprocessados e, consequentemente, menos alimentos in natura ou minimamente processados enquanto usam dispositivos eletrônicos é a exposição a anúncios de alimentos ultraprocessados, que têm o objetivo de gerar maior interesse no consumo desses produtos. Além disso, o consumo de alimentos ultraprocessados é conveniente, pois eles são adquiridos em embalagens prontas para consumo ou de rápido preparo.” 

No artigo, as pesquisadoras ressaltaram a importância de esclarecer a população sobre os malefícios causados pelo uso das telas por essa faixa etária. “O uso de telas à noite pode impactar o consumo alimentar no jantar e no lanche noturno em crianças. Nesse sentido, esses achados indicam a necessidade de orientações sobre o ‘uso de telas à noite’ e o consumo de alimentos ultraprocessados por escolares, considerando o impacto desses hábitos na saúde de crianças e adolescentes com e sem excesso de peso.”

O trabalho ressalta que essas ações podem ser realizadas no ambiente escolar, como parte do Programa Saúde na Escola ou de atividades de Educação Alimentar e Nutricional. “É fundamental que essas iniciativas também alcancem as famílias e sejam associadas a outras ações de promoção da saúde no âmbito da Atenção Primária à Saúde.”

Confira o trecho da cartilha que cita a pesquisa da UFSC:

Os efeitos negativos do uso inadequado de dispositivos, especialmente os celulares, não se limitam à saúde mental. Estudos mostram que ele também pode provocar: distúrbios de atenção, atrasos no desenvolvimento cognitivo e da linguagem, miopia, problemas no sono e sobrepeso, como notado por uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O levantamento analisou 1.396 crianças e adolescentes e constatou que o uso de dispositivos à noite, especialmente para jogos e vídeos, está associado ao consumo reduzido de alimentos saudáveis, como frutas e verduras, e ao aumento da ingestão de produtos ultraprocessados, ricos em sal, açúcar e gorduras. Esse comportamento impacta diretamente a saúde física dos estudantes.

Acesse a cartilha aqui.

Daniela Caniçali | [email protected]
Jornalista da Agecom | UFSC

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