Prometida para as Olimpíadas do Rio, despoluição da Baía de Guanabara começa a avançar 8 anos após os Jogos


Promessa era limpar ao menos 80% da baia até 2016, mas até hoje a meta está distante. Leilão da Cedae em 2021 e a obrigação de investir na despoluição têm trazido os primeiros resultados. Praias antes poluídas próprias para banho e retorno da vida marinha. Os sinais de primeiros resultados do processo de despoluição da Baía de Guanabara começaram a aparecer recentemente, 8 anos depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Em especial sobre o legado olímpico, o g1 relembra o fracasso do projeto olímpico e o impacto do leilão da Cedae para o início do processo de recuperação da Baía de Guanabara. O objetivo dos investimentos é chegar a 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até 2033, 17 anos depois do prazo olímpico.
Veja reportagem completa sobre legado da Rio-2016
Reportagem do RJ1 mostrou a vida marinha crescendo nas águas da Baía de Guanabara
Tempo perdido
A principal cartada do projeto olímpico brasileiro para convencer o Comitê Olímpico Internacional (COI) a colocar o Rio de Janeiro como sede dos jogos de 2016 era a transformação da cidade através do evento. E a despoluição da Baía de Guanabara seria o grande legado das Olimpíadas para os cariocas.
Uma boneca flutua em meio ao lixo na Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, local de eventos de vela das Olimpíadas do Rio 2016. O governo prometeu limpar 80% da poluição a tempo para os jogos, mas admite que a meta é difícil de ser alcançada (imagem de arquivo de 2015)
Matthew Stockman/Getty Images
A meta proposta era despoluir pelo menos 80% da Baía de Guanabara. Contudo, esse número nunca foi alcançado, nem de perto. Na verdade, 5 anos depois dos Jogos do Rio, o g1 e o RJTV mostraram que a qualidade da água havia piorado e que as promessas nunca foram cumpridas.
O Programa de Despoluição da Baía da Guanabara (PDBG) foi lançado em 1994. Em 2009, quando o Rio foi escolhido como sede olímpica, o projeto original já tinha sido paralisado há dois anos. Na ocasião, o governo do estado teve problemas para construir a rede coletora de esgoto que ligaria moradias às novas estações de tratamento.
Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2022, as estações de tratamento de esgoto que integravam o PDBG funcionavam apenas com 33,98% da sua capacidade inicial.
Para as Olímpiadas de 2016, uma das iniciativas foi construir ecobarreiras nos rios que deságuam na Baía. O objetivo era segurar o lixo antes dele chegar ao corpo hídrico. O governo também passou a utilizar ecobarcos, que tinham como objetivo recolher resíduos flutuantes que passassem pelas barreiras artificiais.
Ecobarcos recolheram 28 toneladas de lixo na Baía de Guanabara
Divulgação / Governo RJ
As duas iniciativas permitiram pequenos avanços, mas sem a efetividade necessária para garantir a despoluição. Os ecobarcos não davam conta da quantidade de lixo que vinha pelos rios, e as ecobarreiras se romperam diversas vezes com as chuvas mais intensas.
“Embora esses investimentos tenham contribuído para a coleta de lixo superficial, não geraram impactos significativos para a despoluição da Baía como um todo”, apontou o estudo da FGV sobre os impactos dos Jogos Olímpicos do Rio.
Medidas paliativas
Especialistas acreditam que o maior dos problemas do projeto voltado para as Olimpíadas foi a falta de tratamento dos rios, já que as obras de saneamento básico previstas não saíram do papel.
A falta de tratamento não chegou a impedir as competições de vela da Rio 2016, mas muitos atletas reclamaram da presença de lixo na água.
“(Tivemos problemas) 5 vezes hoje, e ontem já tinha acontecido também. Não queríamos falar muito do assunto, mas hoje foi muito ruim, muita sujeira. Estávamos em segundo, mas pegamos muito lixo. Não sei se acontece com os outros, mas aconteceu conosco hoje”, comentou na época Samuel Albrecht, atleta que disputou a classe Nacra 17.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, mais importante do que retirar o lixo da baía era ter implementado uma rede eficiente de tratamento de esgoto nos municípios da Região Metropolitana do Rio.
“Em São Gonçalo, por exemplo, todos os rios da cidade continuam recebendo o esgoto sanitário de todos os bairros. Com seus 9 rios que deságuam na baía, somados à falta da macrodrenagem nos bairros, é um Deus nos acuda. As águas pluviais se misturam com o esgoto”, comentou o ambientalista Marcos Dias, coordenador do Projeto Renoma.
De acordo com o ambientalista, mesmo recebendo um volume enorme de esgoto, a Baía de Guanabara consegue renovar boa parte de sua água a cada 20 ou 25 dias. Contudo, segundo Marcos Dias, essa troca não acontece da mesma forma nas margens.
“A renovação acontece principalmente em seu meio, mas as bordas, onde temos as praias dos municípios, onde deságuam seus quase 90 rios, ainda deixam muito a desejar. A água ali não tem circulação e acaba gerando esse retrato negativo, com todo esse esgoto”, completou Dias.
Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), existem hoje 17 ecobarreiras instaladas em corpos hídricos que deságuam na Baía de Guanabara. O órgão afirmou que, entre 2020 e 2024, as estruturas impediram a chegada de mais 16 mil toneladas de lixo na baía.
Falta coleta de esgoto
Atualmente, 36,3% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro não conta com coleta de esgoto. O número é praticamente o mesmo de 2011 (36,7%), segundo o Painel Saneamento Brasil.
Com 53 praias, a Baía de Guanabara é cercada por 7 municípios: Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé, Guapimirim, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói.
Os dados do Painel Saneamento Brasil, com base no levantamento feito pelo IBGE em 2022, mostram que apenas 2 das 7 cidades – Rio e NIterói – banhadas pela baia contam com bons indicadores sobre coleta de esgoto.
População sem coleta de esgoto:
Duque de Caxias: 91,3%
Magé: 94,4%
Guapimirim: 100%
Itaboraí : 98,7%
São Gonçalo: 87,3%
Niterói: 4,5%
Rio de Janeiro (capital): 4,2%
De acordo com o Comitê de Bacia da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara (CBH), mais de 8 milhões de pessoas moram nas cidades banhadas pela baía. Esse total representa 52,23% da população do estado.
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Leilão da Cedae provocou mudanças
O principal marco da melhoria recente aconteceu em 2021, com o leilão da Cedae. Na ocasião, parte do dinheiro arrecadado com a venda da empresa teria que ser obrigatoriamente investido em projetos de despoluição. Só para a Baía de Guanabara, foram carimbados R$ 2,6 bilhões.
Com isso, o governo concluiu as obras de saneamento nos bairros Cidade Nova e Manguinhos, que atende uma população de 763 mil habitantes. Além disso, outras obras estão em andamento:
a instalação do coletor tronco Faria Timbó, que captará esgoto de 17 bairros do Rio;
a implantação do sistema de esgoto sanitário e de drenagem pluvial, no Complexo da Maré – Parque Roquete Pinto;
a implantação do sistema de Esgotamento Sanitário de Alcântara, em São Gonçalo;
e a instalação de redes de água, drenagem e coletora no bairro São Francisco, em Belford Roxo.
Segundo o Inea, as intervenções beneficiarão mais de 1,3 milhão de pessoas quando concluídas, gerando uma redução de aproximadamente 4.327 litros por segundo de esgoto na Baía de Guanabara.
Junto ao investimento obrigatório do Poder Público Estadual, a Concessionária Águas do Rio, os vencedores do leilão, também receberam uma lista de obrigações, como a exigência de investimento na despoluição da baia.
Rio Imboaçu, em São Gonçalo, recebe esgoto sem tratamento e desagua na Baia de Guanabara.
Marcos Dias / Projeto Renoma
Segundo a concessionária, a recuperação da região já está em andamento a dois anos e sete meses. Nesse período, a Águas do Rio recuperou sistemas de esgotamento sanitário que já evitam o despejo de 82 milhões de litros de água contaminada com esgoto todos os dias nesse ecossistema.
Em contato com o g1, a empresa informou que todas as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), incluindo a maior delas, a da Alegria, no Caju, e a da Ilha do Governador, ambas desaguando seus efluentes na Baía de Guanabara, estão sendo recuperadas. A Águas do Rio lembra ainda que a Ilha de Paquetá tem atualmente o seu esgoto 100% tratado na ETE São Gonçalo, também em reforma.
Municípios da Baixada Fluminense também estão recebendo investimentos da concessionária, como os coletores em tempo seco implantados em Mesquita. Na região, a concessionária também atua na implantação de novas redes de esgoto.
Até o momento, a empresa investiu R$ 3,1 bilhões no estado, e todos os projetos estão sendo realizados para atender os prazos contratuais estabelecidos na época do leilão.
“Maior projeto ambiental dentro da concessão fluminense, a recuperação da Baía de Guanabara é um processo gradativo. De acordo com o Marco Legal do Saneamento, a Águas do Rio tem até 2033 para universalizar o esgotamento sanitário, ou seja, coletar e tratar o esgoto de 90% da população, em todos os 27 municípios em que a concessionária atua, o que inclui as cidades no entorno da baía. O investimento vai somar R$12 bilhões e evitará que mais de 1,3 bilhões de litros de esgoto desaguem diariamente nesse ecossistema”, informou a empresa.
Bons resultados
Praia do Flamengo com água cristalina (imagem de 2023).
@douglasinho
Dados do Inea, responsável por monitorar o espelho d’água da Baia de Guanabara, mostram que a qualidade da água vem evoluindo desde 2020, em todos os pontos de coleta na Baía. Em 2023, o órgão observou uma melhora de 43% em relação ao mesmo período em 2020 e 2021.
As praias de Botafogo e Flamengo, na Zona Sul, são exemplos do trabalho realizado nos últimos anos. As mudanças já podem ser notadas pelos banhistas.
Técnicos do Inea detectaram a redução de 90% dos níveis de coliformes termotolerantes na Praia de Botafogo nos anos de 2021 e 2022. Segundo o instituto, dados das praias do Flamengo e Paquetá também são fatores que apontam para essa redução dos níveis bacteriológicos.
Os testes de balneabilidade realizados na Praia do Flamengo ao longo de 2024 mostram resultados positivos. Entre janeiro e julho, o Inea realizou 52 testes na região da praia que fica em frente a foz do Rio Carioca. Ao todo, foram 36 resultados que apontaram a boa qualidade da água, contra 16 de água imprópria.
“As intervenções realizadas pela concessionária no desvio do Rio Carioca são responsáveis por evitar que cerca de 20 milhões de litros de água contaminada com esgoto fossem despejadas diretamente na Praia do Flamengo”, informou a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade.
A Praia da Moreninha, na Ilha de Paquetá, no Centro do Rio, também é um exemplo da melhora da qualidade da água por conta dos investimentos recentes. Dos 26 testes realizados pelo Inea no local, 21 avaliaram bem a balneabilidade da praia.
Apesar da melhora nos resultados de balneabilidade de praias historicamente impróprias para o banho, o caminho até a despoluição completa da baía ainda é longo.
Pescadores na Ilha de Paquetá
Rafael Catarcione/Riotur
Durante 2024, o Inea realizou 208 testes de balneabilidade nas 8 praias de Paquetá. Apenas 68 deles tiveram resultados positivos, ou seja, cerca de 32% do total. Com exceção da Praia da Moreninha, todas as outras 7 praias da ilha tiveram mais avaliações negativas do que positivas nesse ano.
O mesmo padrão de resultados se repete nas avaliações feitas na Praia de Botafogo. Das 52 avaliações feitas no local em 2024, 11 foram positivas e 41 testes indicaram água imprópria par banho.
Já a Praia da Urca também está entre as praias com resultados melhores. Dos 52 testes de balneabilidade do ano, 28 indicaram água própria para banho.
Vida marinha na Baía
Entre as ações de despoluição realizadas pela Águas do Rio nos últimos anos está o tratamento do Rio Carioca.
A empresa desviou temporariamente o rio para o interceptor oceânico que leva o esgoto de parte da Zona Sul até o emissário submarino de Ipanema. A manobra evita que mais de 250 litros por segundo de água contaminada com esgoto seja despejada diretamente na Praia do Flamengo.
Instituto Mar Urbano registrou a diversidade marinha nas águas da Baia de Guanabara em 2024
Instituto Mar Urbano
A estratégia da concessionária está diretamente ligada a melhora da qualidade da água na Praia do Flamengo. E a operação fez mais do que permitir o banho de mar no local.
Com a água mais limpa, a baia voltou a receber muitas espécies de animais marinhos. Em um mergulho feito com biólogos do Instituto Mar Urbano (IMU) em junho, o RJ1 flagrou bagre, peixe-gato, peixe-frade e até tartarugas.
O biólogo marinho Ricardo Gomes, que explora a área há 30 anos, disse que nunca tinha visto tantas espécies e uma água tão clara.
“Tinha uma tartaruga grandona, uma tartaruga verde, a maior que eu já vi na minha vida. Parece que ela foi me levando para me mostrar a cidade das tartarugas. Ela passava no buraco, tinha uma tartaruga, eu ia para o outro lado, tinha outra. Daqui a pouco eu tô nadando em cima dela e vem uma tartaruguinha nadar do meu lado. Foi emocionante”, contou Ricardo ao RJ1.
Se as promessas feitas para a Olimpíada de 2016 não saíram do papel e só reforçaram a descrença da população com metas apresentadas por políticos, os relatos e os registros de 2024 mostram que o carioca ainda pode sonhar com uma Baia de Guanabara cheia de vida, assim como já foi um dia.
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