Dos quilômetros aos afetos, residências universitárias ajudam estudantes a superar distâncias durante a graduação


Alunos que moram distante dos campi da Universidade Federal do Ceará podem solicitar o benefício, que acolhe para além da distância física. Élio Carin, estudante de História, na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Kid Junior/SVM
Superar as distâncias que afastam os objetivos é um obstáculo que ganha novas alturas quando essas distâncias não são apenas físicas. As residências da Universidade Federal do Ceará se apresentam como abrigos aos alunos que enfrentam distanciamentos que vão além da quilometragem entre a casa e a faculdade.
O estudante de história da Universidade Federal do Ceará (UFC), Élio Carin, precisou superar duas distâncias: entre o Campus do Benfica e a casa onde morava com a família, em Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza; bem como a ausência de afeto em casa, com uma família que não respeita a transmasculinidade dele.
“A residência me ajudou muito. Eu saí de um lugar de muita violência, dentro de casa, então estou em um lugar, há dois anos, sendo respeitado, onde me entendem. Se eu não tivesse vindo para a residência, eu não sei se, hoje, eu estaria terminando o curso de História”, declarou o universitário, de 23 anos.
Élio possui um contexto específico que adiciona outras nuances na busca por uma moradia: ele é um homem trans, que não encontra na casa da família sanguínea o respeito e o acolhimento necessários.
Élio Corin comenta sobre a experiência dele com a residência universitária da UFC.
“Também tem a questão familiar. Dentro de casa, eu passava por transfobia. Eu tenho 23 anos, sou uma pessoa transmasculina e, até o momento, a minha família não me chama por Elio. Eu comecei essa transição faz cinco anos”, lamentou o jovem.
“Eu tinha uma conexão boa com minha família. A gente sempre foi de conversar bastante, brincar um com outro. A minha trajetória de quem sempre estudou, sempre fez tudo, não foi levada em consideração quando eu disse que sou trans”, disse.
Élio é residente desde 2022. Os estudantes que são naturais de municípios da Grande Fortaleza podem concorrer às vagas nas residências, no entanto, não são prioridades do processo. Os únicos não permitidos a tentarem um lugar são os moradores da própria capital.
“Aqui na residência, encontrei esse lugar. Sinto afetividade aqui. Estou há dois anos e sinto isso. Não é só o espaço, o quarto, é também as pessoas. Pra mim, é um abrigo”, declarou. Elio disse que também conseguiu acompanhamento psicológico gratuitamente pela UFC.
Élio encontrou na residência universitária um lar onde a transmasculinidade dele é aceita.
Kid Junior/SVM
🏘️ Residências universitárias
📅 O programa de residências da UFC tem como marco temporal de início a data 24 de junho de 1961. No dia, foi inaugurada a primeira unidade, que funcionou no 3º andar do Clube de Estudantes Universitários (CEU), na Avenida da Universidade — onde hoje funciona o Centro de Aperfeiçoamento de Economia do Nordeste – CAEN.
🚨 A permanência nas universidades é um desafio educacional urgente. A aprovação no vestibular é apenas o primeiro passo das etapas que envolvem uma graduação. Em 2022, por exemplo, Fortaleza teve 89.260 matrículas trancadas ou desvinculadas, conforme dados da educação superior fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
📍 As residências são destinadas aos alunos da UFC que não possuem moradia em Fortaleza. Questões como a distância entre casa e universidade, além de características socioeconômicas, são analisadas para conceder o benefício. Os únicos estudantes que não podem solicitar uma vaga são aqueles que moram na capital.
📚 Com isso, as residências universitárias representam uma das estratégias adotadas pela UFC contra a evasão estudantil. Entre as outras estratégias, estão os auxílios e bolsas oferecidos, que incluem o auxílio creche, auxílio ingressante, auxílio emergencial, auxílio moradia e isenção da taxa do Restaurante Universitário. Além disso, são disponibilizadas bolsas de iniciação acadêmica e bolsas do desporto para apoiar academicamente e incentivar a participação em atividades extracurriculares.
🏘️ Atualmente, a UFC possui 10 residências universitárias: nove no bairro Benfica e uma no Pici — bairros onde há campi da instituição. Entre elas, nove pertencem à Universidade e uma é alugada. Há ainda duas residências sendo construídas, também no Benfica, com previsão de entrega até o ano de 2025.
Mapa das residências universitárias da UFC.
Louise Anne Dutra/SVM
“Desde os primeiros anos da UFC, a gente tem história de que teve residência. E ela começa para poder abrigar estudantes que vinham do interior do estado. Ali no início mesmo da Universidade, os estudantes vinham para Fortaleza e não tinham como ficar, aí foi criada uma primeira residência universitária”, explicou Márcia Regina Arão, pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis da UFC.
“A residência universitária desempenha um papel crucial na permanência dos estudantes vindos de outros municípios do estado do Ceará e de outros estados, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Para muitos desses estudantes, a residência universitária é essencial para facilitar o acesso à educação superior ao eliminar diversas barreiras”, destacou Arão.
“Primeiramente, ela elimina a necessidade de deslocamentos diários longos e custosos, permitindo que os estudantes dediquem mais tempo aos estudos. Além disso, ao oferecer moradia acessível, a residência reduz os custos gerais de vida durante os anos de estudo, aliviando a pressão financeira sobre os estudantes e suas famílias”, complementou.
A pró-reitora explicou que, com as novas duas residências, o número vai subir para 11 unidades — pois a residência alugada não deve ter contrato renovado com a instituição, devido a questões legais envolvendo o contrato.
“A gente tem algumas regras de aluguel e essa residência já está no prazo limite de que a gente pode renovar aluguel. Então, ela precisava mesmo ser substituída e, desse modo, a gente vai passar a ter todas as residências como prédios da Universidade”, complementou.

💭 ‘Não queria abrir mão desse sonho’
Para Gercivania, a vaga na residência universitária é um modo de não desistir de um sonho.
Chegar em casa meia-noite e sair 4h30 da madrugada. Essa seria a rotina de Gercivania Sales, 19 anos, estudante de Letras Inglês-Português da UFC, caso não tivesse conseguido uma vaga em uma das residências no bairro Benfica, onde estuda.
“Isso tornava uma rotina extremamente desgastante para mim porque eu não teria como dormir, e isso afetaria gradativamente o meu desempenho acadêmico, por não ter qualidade de sono e nem ter tempo para estudar em casa”, explicou a jovem universitária.
Ela é natural do distrito de Campos Velhos, no município de Caridade, que fica distante cerca de 75 km do campus onde cursa a graduação. Para evitar a rotina cansativa e de pouco sono, Gercivania, inclusive, contou com apoio de lares temporários, passando por casa de amigos e de familiares. No entanto, seguiu sem a sensação de um lar.
“A gente sabe que não é a realidade de todos alcançar o ingresso à educação superior. Então, eu não queria abrir mão desse sonho. Um sonho que não é só meu, é um sonho da minha família também”, destacou Gercivania, que é uma das 76 moradoras da Residência 125, no Benfica.
Gercivania Sales, estudante de Letras Inglês-Português na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Kid Junior/SVM
Ela foi aprovada na UFC no início de 2023, mas conseguiu a vaga para a residência apenas em outubro do ano passado. “Antes disso, eu passei por muitas dificuldades e muitos desafios que me levaram em alguns momentos a pensar se realmente seria possível dar continuidade ou não na minha graduação”, disse a jovem.
“A distância entre a minha cidade e onde fica a universidade era muito grande, e isso dificultava bastante a minha permanência no curso”, reforçou a jovem.
“Eu estava pensando em desistir porque eu não estava aguentando essa rotina desgastante. Eu lutava o tempo todo contra esse cansaço e sempre me sentia muito esgotada”, complementou.
Com a vaga na residência, a distância entre casa e faculdade diminuiu de 75km para 750 metros — uma redução de 99%. A mudança, no entanto, vai além do novo endereço. “Agora eu consigo conciliar tudo, organizar o meu tempo direitinho, consigo dormir com qualidade. Aqui eu me sinto em casa”, disse a universitária.
“Eu particularmente considero a minha família nesse lugar. Eles fazem a gente ter esse sentimento de pertencimento. Esse contato diário, conviver com pessoas que passaram por dificuldades parecidas com as minhas, que enfrentaram desafios parecidos com os meus”, complementou Gercivania.
Gercivania Sales conseguiu diminuir em 99% a distância entre casa e faculdade após entrar na residência universitária.
Kid Junior/SVM

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