Quem é Edmundo González, candidato que deu uma pausa no papel de avô para tentar tirar Maduro do poder


Em um instante, sem procurar, González trocou sua tranquila varanda pela campanha presidencial. Foi nomeado de último minuto após a inabilitação da carismática líder María Corina Machado e o veto de outros possíveis substitutos. Imagem de comemoração de 1º de maio na Venezuela
Leonardo Fernandez Viloria/Reuters
Pela primeira vez em muitos anos, a oposição vê chances de derrotar o chavismo na eleição presidencial da Venezuela, que acontece neste domingo (28) em um cenário de incerteza. Cerca de 21 milhões de venezuelanos estão registrados para votar.
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Se a oposição vencer, seria o encerramento de um ciclo que começou há 25 anos, com Hugo Chávez e, depois, com Nicolás Maduro.
Aos 61 anos, Maduro tenta o terceiro mandato. Ele já está há 11 anos no poder e chegou à Presidência da Venezuela após a morte de Chávez, em 2013. Naquele ano, ele foi eleito por uma diferença pequena de votos.
A eleição deste domingo é diferente de qualquer outra que o partido no poder enfrentou desde que Chávez foi eleito presidente, em dezembro de 1998. No fim da década de 1990, o líder começou a transição da Venezuela para o que ele descreveu como “socialismo do século 21”.
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Agora, Maduro é impopular entre muitos eleitores. A derrocada do preço do petróleo, a corrupção e a má gestão econômica mergulharam o país em uma grande crise. Jovens tiveram de desistir do sonho da faculdade, crianças passaram fome e milhões emigraram.
Segundo o Índice da Democracia, ranking global anual do grupo que publica a revista britânica The Economist, a Venezuela é um dos regimes mais autoritários da América Latina. O levantamento aponta que o país tem pouco pluralismo no processo eleitoral, funcionamento do governo e liberdade civil.
Políticos da oposição boicotaram as últimas eleições alegando fraude. Desta vez, superaram divisões profundas para se unirem em torno de um único candidato.
O nome da oposição que representa a tentativa de mudança é Edmundo González, ex-diplomata de 74 anos. Ele encabeça a chapa da coalizão “Plataforma Unitária Democrática (PUD)”. A nomeação dele foi feita após as opositoras María Corina Machado e Corina Yoris serem impedidas pelo regime de Maduro de concorrer.
González atraiu um apoio significativo, inclusive de antigos apoiadores do partido governante. Entretanto, a oposição e alguns observadores questionaram se a votação será justa. O Conselho Nacional Eleitoral, equivalente brasileiro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é controlado por Maduro, que também tem ascendência sobre o Legislativo e o Judiciário.
González e María Corina têm instado os eleitores a votar cedo e a manter “vigílias” nas seções eleitorais até que elas fechem. Eles disseram que esperam que os militares respeitem os resultados da votação.
Os militares da Venezuela são apoiadores de Maduro. O Ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, disse que as Forças Armadas respeitarão o resultado, previsto para sair entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira (29).
Maduro argumenta que a Venezuela tem o “sistema eleitoral mais transparente do mundo”.
“Embora seja pouco provável que as eleições na Venezuela sejam livres ou justas, os venezuelanos têm a melhor oportunidade em mais de uma década para eleger o seu próprio governo”, disse Juanita Goebertus, diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch, à AFP.
O Brasil acompanha com atenção os resultados. O assessor especial para a política externa, Celso Amorim, estará na Venezuela como representante do governo brasileiro. A ideia é contribuir com uma eleição “correta e limpa”, disse ele ao blog da jornalista Andréia Sadi. Lula é um aliado histórico de Maduro, embora nos últimos dias os dois tenham trocado farpas.
Veja um resumo do caminho até aqui:
Ao longo de 11 anos de poder, Maduro foi acusado de autoritarismo, com a perseguição de opositores, controle do Legislativo e do Judiciário e centralização de poder.
Após assumir a Presidência da Venezuela, em 2014, o governo Maduro viveu uma crise financeira com rombo nas contas públicas e hiperinflação.
A crise venezuelana fez com que os índices de pobreza e fome disparassem. Milhares de pessoas deixaram o país em busca de uma vida melhor.
Os problemas sociais da Venezuela também provocaram manifestações massivas, convocadas pela oposição, que terminaram em repressão, violência e mortes.
As eleições deste ano acontecem após a assinatura de um acordo entre Maduro e a oposição. A expectativa era de um pleito livre, sem candidatos impugnados e vigilância internacional. No entanto, o governo é acusado de descumprir os termos. A União Europeia, por exemplo, que seria observadora das eleições, foi desconvidada pelo governo Maduro.
A campanha eleitoral foi marcada pela polarização e tensão. Maduro chegou a dizer que haveria “banho de sangue” e “guerra civil” se não vencesse.
Eleitores de fora da Venezuela tiveram dificuldade para votar. Dos quase 8 milhões, só 68 mil conseguiram se registrar.
A votação será das 6h às 18h, pelo horário local (7h às 19h, em Brasília). Os centros de votação contam com urnas eletrônicas. O voto não é obrigatório.
Quem vencer assume o poder em 2025, com mandato de seis anos.
Para o professor Uriã Fancelli, a vitória da oposição representaria um marco histórico no país, mas exigiria uma transição cautelosa com apoio internacional “para evitar represálias políticas e garantir uma governança inclusiva e transparente”.
Relembre o histórico do país e leia a análise para o futuro ao longo da reportagem.
Eleição na Venezuela
Juan Silva/g1
O governo Maduro
Maduro era visto como o herdeiro natural de Hugo Chávez. Com a morte do padrinho político em 2013, foi convocado a assumir seu papel de sucessor e venceu a eleição presidencial daquele ano. No entanto, nos anos seguintes, a Venezuela mergulhou em uma crise política e econômica.
A queda dos preços do petróleo e a gestão econômica controversa afetaram gravemente o país. Com rombo nas contas públicas, o governo tentou imprimir mais dinheiro, o que causou uma hiperinflação.
Um homem empurra um carrinho de cachorro-quente em frente a um mural que retrata o falecido presidente da Venezuela Hugo Chávez (centro) ao lado do atual presidente Nicolas Maduro (direita) em Caracas, em 2 de março de 2023.
MIGUEL ZAMBRANO / AFP
A Venezuela viu os índices de insegurança alimentar e pobreza dispararem. Isso fez com que dezenas de milhares de pessoas abandonassem o país, buscando novas oportunidades em vizinhos, como Brasil e Colômbia.
A crise também provocou uma onda de manifestações, principalmente entre 2014 e 2019. Os protestos foram marcados pela violência e repressão, resultando em dezenas de mortos e feridos.
A oposição tentou pressionar o governo. Um referendo para tirar Maduro do poder chegou a ser levantado, mas acabou barrado pela Justiça — controlada por ele. O governo também convocou uma Assembleia Constituinte para minar o poder do Parlamento, que era de maioria opositora.
A última eleição presidencial foi em 2018, quando Maduro foi reeleito diante do boicote da oposição ao processo eleitoral. À época, os adversários do presidente denunciaram fraudes e perseguições.
Venezuela: Maduro pode ser derrotado?
Novas eleições
O pleito deste domingo é fruto de um acordo entre Maduro e a oposição, assinado em outubro de 2023. Foi uma forma que o atual presidente encontrou para tentar aliviar as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.
A promessa era de eleições livres, sem opositores impedidos, e presença de observadores internacionais para garantir a lisura do pleito. Mas não foi isso que aconteceu.
Maduro é acusado de não cumprir com os termos do acordo. No começo do ano, a Justiça da Venezuela, controlada pelo governo, determinou que a principal opositora não poderia ocupar cargos públicos. Com isso, María Corina Machado ficou impedida de concorrer.
A líder da oposição, María Corina Machado, acompanha Edmundo González Urrutia em um evento com o partido de oposição Primeiro Justiça em Caracas, no dia 31 de maio.
Getty Images via BBC
A oposição tentou emplacar um novo nome: Corina Yoris. Mas a candidata sofreu com problemas no sistema de registro eletrônico do Conselho Nacional Eleitoral, ficando de fora da disputa.
Sobrou o ex-diplomata Edmundo González, que conseguiu se registrar e se tornou a esperança oposicionista para derrotar Maduro. Apoiado por Corina Machado, González apareceu na liderança em pesquisas eleitorais independentes. Mas o resultado oficial só será conhecido na noite deste domingo (28).
O que esperar após as eleições
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, usa binóculos durante ato em Caracas, em 29 de fevereiro de 2024.
Leonardo Fernandez Viloria/ Reuters
Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, vê as eleições deste ano como um momento decisivo para a Venezuela. Por outro lado, o professor avalia que o processo eleitoral tem acontecido sob desconfiança.
Era esperado que observadores internacionais de países e entidades diferentes acompanhassem o pleito na Venezuela. No entanto, o governo Maduro desconvidou membros da União Europeia e até mesmo Alberto Fernández, ex-presidente da Argentina.
“Além disso, a oposição enfrentou diversos obstáculos, incluindo restrições na campanha, limitações na propaganda midiática e intimidações em comícios. Essas práticas levantam sérias preocupações internacionais sobre a legitimidade do processo eleitoral”, afirma.
Fancelli também acredita que Maduro tenha adotado uma retórica mais agressiva, com ameaças de “banho de sangue” e “guerra civil”, como uma estratégia para intimidar os eleitores e desencorajar o voto na oposição. Segundo ele, isso reforça a tendência autoritária do atual presidente.
O professor avalia ainda que uma possível vitória da oposição poderia representar uma virada de chave para toda a América Latina. Para ele, a Venezuela teria a chance de renovar as instituições democráticas e se reinserir no cenário internacional.
“Uma vitória de Edmundo González Urrutia, um diplomata aposentado, seria interpretada mundialmente como um clamor por justiça e liberdade, ecoando a resistência de milhões de venezuelanos que, apesar da repressão e das adversidades, continuam lutando por um futuro melhor.”
Por outro lado, a transição para um governo González exigiria cautela e apoio da comunidade internacional.
“Seria prudente negociar anistia para Maduro e seus aliados como parte das condições para uma transição pacífica, a fim de minimizar a resistência do regime atual e promover a estabilidade durante o período de mudança”, diz.
Veja como funcionam as eleições na Venezuela
Kayan Albertin/g1
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