Professora da UFSC integra time brasileiro premiado em desafio internacional de mapeamento da biodiversidade

Trabalho em equipe rendeu o terceiro lugar para o Brazilian Team, formado por pesquisadores brasileiros de diversas regiões e parceiros internacionais. (Foto: Divulgação)

A professora Juliana de Paula Souza, do Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi uma das cientistas premiadas no desafio XPRIZE Rainforest, patrocinado pelo Instituto Alana. A competição teve duração de cinco anos e terminou em novembro de 2024, durante a cúpula do G20 no Brasil. A experiência, segundo a docente, foi marcante por demonstrar a força da cooperação entre pesquisadores de diferentes áreas.

“Um dos resultados mais positivos dessa experiência foi a constatação de que a colaboração entre cientistas de áreas aparentemente tão distantes quanto as de biológicas (no nosso caso, Botânica), tecnologia (Robótica e Inteligência Artificial) e socioeconomia é fundamental para acelerar o processo de levantamentos e estudos em biodiversidade”, aponta. 

A professora complementa que a velocidade com que a destruição de hábitats vem ocorrendo pede que a ciência desenvolva soluções também ágeis. “É esse conhecimento que alicerça a construção de políticas públicas de preservação e recuperação de áreas degradadas. O que eu percebi trabalhando com esses colegas da tecnologia é que muitas das dificuldades, algumas até impeditivas para a coleta e processamento de dados biológicos, podem ter soluções simples e às vezes muito baratas”, reflete a pesquisadora. 

A equipe que Juliana integrou também contou com cientistas internacionais, que juntos mapearam e avaliaram amostras de DNA ambiental (eDNA) com a ajuda de drones e robôs terrestres acoplados com sensores e coletores de amostras. 

Durante atividade da semifinal do desafio, em Singapura, pesquisadores retiram amostras coletadas pelo robô terrestre. (Foto: Juliana de Paula Souza/Acervo Pessoal)

O desafio XPRIZE Rainforest envolveu mais de 300 equipes de 70 países. A equipe brasileira (Brazilian Team) ficou com a terceira colocação e foi premiada com 500 mil dólares, que serão destinados a um fundo para pesquisas e capacitação voltados à conservação e restauração da Amazônia e da Mata Atlântica. 

A equipe foi coordenada por Vinicius Souza, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). O Brazilian Team foi organizado em seis grupos: Robótica, Sensoriamento Remoto, Bioacústica, DNA, Biodiversidade e Insights, com mais de 100 colaboradores com conhecimento técnico-científico multidisciplinar, majoritariamente brasileiros, mas também de outros dez países, representando algumas dezenas de instituições nacionais e internacionais.

“Desde o início do desafio, em 2019, todos os participantes assumiram o compromisso de investir o dinheiro do prêmio em projetos de levantamento de biodiversidade”, explica a professora. “A colocação do Brazilian Team entre os três melhores do mundo tem aberto muitas possibilidades de parcerias dos seus grupos com empresas privadas, o que tem estimulado planos de abertura de startups, e mesmo com o fim do desafio, os seis grupos seguem dialogando e mantendo a parceria para explorar novas possibilidades, tanto no levantamento de dados quanto na formação de recursos humanos, com o envolvimento de alunos de graduação e pós-graduação”, celebra.

No total, o time brasileiro documentou 418 organismos, dos quais 266 foram identificados até o nível de espécie, três das quais sendo possivelmente novas espécies para a ciência. Também foram registradas interações complexas entre espécies e identificadas aquelas que oferecem serviços ecossistêmicos valiosos para a bioeconomia da floresta. 

A colaboração multidisciplinar, segundo a professora Juliana, possibilitou a resolução de problemas de forma criativa, a partir do diálogo e interação entre as áreas. “Foi assim, a partir da interação promovida pelo desafio, que a equipe de Robótica desenvolveu os acessórios para drones, para coleta de ramos de árvores a 40 metros de altura, água, serrapilheira, sons (bioacústica), etc.”.



A professora relata uma situação que levou ao desenvolvimento de um equipamento para o laboratório de molecular portátil (backpack lab), que permitiu o processamento de todas as etapas de sequenciamento de DNA no campo. 

Professora Juliana chega com o time ao local-base da final do desafio XPRIZE Rainforest, na Comunidade Tumbira, em Iranduba-AM. (Foto: Acervo Pessoal)

“Um certo dia a coordenadora da equipe de DNA estava conversando com o coordenador da Robótica – era um bate papo descontraído – e ela comentou muito por acaso e meio se queixando que um dos equipamentos que eles usavam era pesado demais, cerca de 20kg. Ela disse: ‘Bem que vocês podiam inventar um mais levinho né?’. Ao que o colega da Robótica respondeu ‘mas eu não sabia que vocês precisavam disso’, e algumas semanas depois ele apareceu com uma surpresa – o protótipo do tal equipamento pesando pouco menos de 5kg e muito mais potente que os disponíveis no mercado (e que será patenteado pela equipe do colega)”. 

“O que esse Desafio mostrou é que soluções para muitos dos nossos problemas existem, os cientistas apenas precisam conversar mais!”, salienta a pesquisadora. A capacidade dos cientistas brasileiros de fazer muito, com poucos recursos, também foi notada. “Cientistas brasileiros trabalham com sua criatividade e persistência para prosperar nas adversidades. Tivemos pouco patrocínio e contamos principalmente com projetos de agências de fomento dos docentes envolvidos, que tratavam dos mesmos assuntos mas às vezes nem eram específicos para o Desafio. A equipe é toda formada por docentes e pesquisadores de instituições públicas, sobrecarregados com suas atribuições rotineiras, e mesmo assim, conseguimos estar entre os três vencedores do Desafio, superando dezenas de equipes fortes dos Estados Unidos e Europa”, comemora.

Mapeamento para gerar conhecimento

Membros do Brazilian Team trabalham no processamento dos resultados do desafio, em atividade de mapeamento realizada na final do desafio. (Foto: Juliana de Paula Souza/Acervo Pessoal)

As tecnologias utilizadas pelas equipes no Desafio XPRIZE, segundo explica Juliana, não são inéditas, mas o que é inovador é tornar mais eficientes essas tecnologias já existentes, como o sequenciamento de DNA ou a Inteligência Artificial (IA), “e principalmente, desenvolver estratégias para aplicá-las de forma integrada como um protocolo de levantamento expresso de biodiversidade”.

“Como qualquer outra área atualmente, o futuro é a automatização. Nós taxonomistas [cientistas que trabalham com a identificação dos organismos] costumamos brincar que em breve estaremos obsoletos, porque a tendência é que a IA faça esse trabalho de identificação num piscar de olhos”, complementa.

Atualmente já existem vários aplicativos de celular que identificam plantas cultivadas. Um deles, o Pl@ntNet, é parceiro do Brazilian Team. Nos jardins, como explica Juliana, a IA aprende pela análise de fotos bem identificadas, e a ferramenta depende desse volume para aprender mais e identificar melhor as espécies. “Agora vamos sair do nosso jardim e ir para o meio da Amazônia, da Floresta Atlântica ou para os campos aqui de Santa Catarina. Nem os botânicos sabem direito o que tem nessas florestas, e muitas das espécies são conhecidas apenas do único material que o botânico do século 19 encontrou e usou para descrevê-la cientificamente. Esse é o grande gargalo para a automação da identificação dos organismos atualmente – a falta de bibliotecas de dados biológicos”, explica a pesquisadora. 

“A mesma metodologia que utilizamos na Amazônia pode ser aplicada aqui em Florianópolis, ou em outras áreas do estado, utilizando-se uma biblioteca robusta obtida a partir dos dados de plantas contidos no Herbário FLOR, da UFSC, cujo acervo é focado na região Sul e em Santa Catarina”, lembra Juliana.

A professora explica que a UFSC, por meio do Departamento de Botânica, também trabalha com levantamentos florísticos nas áreas nativas de Santa Catarina. “Tanto aqui na ilha quanto no continente, englobando diferentes fisionomias da Floresta Atlântica – por exemplo, temos em andamento agora trabalhos na Lagoa do Peri e nos campos de cima da Serra. Esses levantamentos são feitos ao longo de muito tempo, em geral meses ou anos, e com a mobilização de uma grande quantidade de pessoal especializado”, complementa. 

Segundo ela, a metodologia desenvolvida para o Desafio XPRIZE é inédita por reduzir drasticamente o tempo e os recursos humanos necessários para o levantamento de dados. “A ideia é que a partir do Desafio XPRIZE nós possamos trazer essa linha de pesquisa para a UFSC também, para formar alunos e estabelecer parcerias com colegas de outros departamentos que trabalham com tecnologia”. 

Juliana explica que a diversidade vegetal brasileira da Flora e Funga cresce a cada ano, com cerca de 400 espécies novas de plantas sendo catalogadas anualmente. “Se nem os humanos conhecem as espécies, como vamos treinar a IA para reconhecê-las? Então antes dos humanos serem substituídos pelas máquinas – na verdade, para que nós possamos passar essa tarefa para as máquinas – existe um trabalho árduo pela frente de coleta de dados biológicos, o que exige um esforço intenso de expedições de campo e registro da biodiversidade”. 

Herbário FLOR

O Herbário FLOR, da UFSC, tem um acervo variado, com boa parte de sua biblioteca de plantas e fungos digitalizada. (Foto: Divulgação)

Coleções biológicas de todo o mundo, incluindo os herbários, têm atuado para informatizar seus acervos, e o Herbário FLOR, da UFSC, faz parte desse movimento. Juliana, que é curadora do Herbário, ressalta que o trabalho de informatização de acervos “é importantíssimo para a construção de bibliotecas que fundamentaram toda a parte de biodiversidade do Brazilian Team no desafio na Amazônia”. 

O Herbário é um espaço de ciência e também de extensão, que promove visitas guiadas e atividades envolvendo a comunidade para o manuseio de plantas e vivência da rotina de uma coleção de plantas. Além disso, divulga esse conteúdo nas redes sociais. “O FLOR é uma biblioteca de plantas e fungos que registra a ocorrência de espécies no tempo e no espaço, e isso inclui tanto aquelas raras e ameaçadas de extinção, como aquelas mais comuns e que impõe risco de se tornarem invasoras ou hospedeiras de patógenos prejudiciais aos cultivos”, explica a pesquisadora.

“Além disso, os herbários são fontes de amostras para análises moleculares, já que em geral o DNA presente nos tecidos vegetais permanece viável mesmo depois da planta seca, e até em plantas coletadas há décadas”, lembra a cientista. “Além de reduzir drasticamente o custo dessas pesquisas, isso permite que mesmo plantas já extintas possam ser incluídas nos estudos”. 

“As pessoas tendem a ter uma ideia ultrapassada e negativa do herbário apenas como um depósito de espécimes secos e empoeirados, e nós temos uma grande preocupação em nossas ações de extensão em mudar essa mentalidade, mostrando à comunidade que o acervo é vivo, dinâmico e atuante em pesquisas de ponta, e principalmente, que no momento que estamos agora do conhecimento científico, as coleções biológicas são cruciais no desenvolvimento de metodologias de levantamento da biodiversidade – e consequentemente, na sua preservação”.

A coleção do Herbário FLOR está disponível nas maiores plataformas de Herbários Virtuais de acesso livre, como a Species Link e a Jabot. “Quase metade das nossas amostras já estão digitalizadas. É como ter o herbário em casa!”, complementa a cientista.

 

Mayra Cajueiro Warren | [email protected]
Agência de Comunicação | UFSC
com informações de Jornal da USP

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