Prefeitura de SP nega alvará para festival gospel no Allianz Parque no Réveillon; evento é organizado por igreja da família Valadão


Segundo a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, o alvará foi negado porque a Igreja Batista da Lagoinha não apresentou os documentos solicitados pela pasta dentro do prazo estipulado. A pasta ainda informou que o responsável pelo festival poderá pedir reconsideração do despacho. O estádio Allianz Parque, do Palmeiras, será palco do festival gospel.
Divulgação/WTorre
A Prefeitura de São Paulo negou o alvará para a realização do festival de música gospel, o “Vira Brasil 2025”, organizado pela Igreja Batista da Lagoinha em Alphaville. O evento estava programado para acontecer em 31 de dezembro no Allianz Parque, em São Paulo.
Segundo a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, o alvará de autorização para evento temporário “foi indeferido devido a não apresentação dentro do prazo estipulado dos documentos solicitados”.
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A pasta ainda informou que o responsável pelo festival poderá pedir reconsideração do despacho. “A administração municipal reforça que qualquer ato administrativo será conduzido em conformidade com decisão judicial vigente.”
Organização do evento
Com ingressos que chegam a custar R$ 3.500 na categoria VIP, a expectativa dos organizadores era atrair 40 mil pessoas para o estádio do Palmeiras.
O evento de grandes proporções — que prometia ser a “maior Virada cristã do Brasil” — estava previsto para começar às 17h de 31 de dezembro.
Tiffany Hudson, Alpha Music, Ana Nóbrega, Isaías Saad, Eli Soares, FHOP, Victor Hugo, Ronny Oliveira, Sued Silva, Banda Morada, Fernandinho, Richard Gordon, Camila Vieira e Paulo Vieira são algumas das atrações nacionais e estrangeiras do festival.
“Uma noite que será um marco, com milhares de vozes se levantando em um só clamor. Essa Virada não é só uma data no calendário, é o início de algo grandioso e sobrenatural que Deus tem para realizar”, descreve a igreja em sua conta oficial no Instagram.
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Origem da igreja
Fundada em 1957, a Igreja Batista da Lagoinha nasceu em Belo Horizonte (MG), liderada pelo pastor Márcio Roberto Vieira Valadão, e se tornou uma das igrejas evangélicas mais influentes do país. Os cultos são famosos pelas superproduções.
A expansão fez com que a igreja se consolidasse como uma marca, a Lagoinha Global, que conta com mais de 600 unidades no Brasil e no mundo, especialmente nos Estados Unidos. Atualmente, a instituição religiosa é presidida pelo pastor conservador André Valadão, filho de Márcio. Ele também é líder da unidade em Orlando.
Pastor André Valadão, presidente da igreja Lagoinha Global
Divulgação
Durante os eventos da igreja, é comum a adoção de termos em inglês, como “this is legacy” (este é o legado), “kids” (crianças) e “conference” (conferência), para atrair o público, especialmente de classes mais altas.
Para a comemoração do Dia das Crianças neste ano, até o Mickey, um dos símbolos norte-americanos, foi convidado como atração na Lagoinha em Alphaville. O terreno da unidade tem 115 mil metros quadrados, podendo receber cerca de 50 mil fiéis.
Críticas
Teólogos ouvidos pelo g1 enxergam com preocupação esse tipo de evento e avaliam que a espiritualidade foi transformada em um produto, perdendo a mensagem inicial do Evangelho.
O pastor e escritor Ricardo Gondim, presidente da Igreja Betesda, explica que o culto é um momento de comunhão. Contudo, ocorrências como o festival gospel promovem um ambiente excludente em razão do valor dos ingressos, observa.
“Esses shows gospel são um evento pelo evento. Não têm o objetivo de Deus. Claro que vai produzir uma catarse coletiva, um efeito de manipulação de massas. O mundo evangélico brasileiro é muito emocional, muito emotivo, mas o objetivo em si é o evento em si. E o evento em si é levantar dinheiro para viabilizar outros eventos iguais a ele. Virou o lucro pelo lucro”, afirma Gondim.
O presidente da Betesda também pontua que a multiplicação de igrejas evangélicas no Brasil inspiradas nas norte-americanas é um fenômeno relativamente recente, oriundo do “complexo de vira-lata”. Para o pastor, a cultura dos Estados Unidos é uma referência para os brasileiros que tem se estendido inclusive para o campo religioso.
“A questão inicial se perdeu no processo. Para mim, essas igrejas evangélicas, que usam esses nomes ‘churchs’ [‘igreja’, em inglês], estão usando esses nomes por razão meramente mercadológica, porque é uma questão de copiar as megaigrejas americanas que, entre grandes aspas, estão dando certo, são igrejas de sucesso nos Estados Unidos. Tem uma megachurch, a Lakeland Church, nos EUA, que chegou a comprar um estádio de ginásio da NBA [Liga Nacional de Basquete]”, diz Gondim.
Os cultos em formato de megashows e a incorporação de expressões em inglês aos discursos não são exclusivos das igrejas da família Valadão. Em Balneário Camboriú (SC), por exemplo, a Reino Church virou alvo de críticas pela aparência de “igreja para ricos” e por atrair muitos jovens da high society local, que compartilham a rotina nas redes sociais.
Reino Church é conhecida pela estética “clean” que foge dos templos evangélicos tradicionais
Reprodução/Redes sociais
Para o professor e pastor André Aneas, doutor e mestre em teologia pela PUC-SP, o comportamento dessas igrejas é “uma evolução da teologia da prosperidade”. Essa doutrina neopentecostal prega que o sucesso e a abundância material podem ser alcançados por meio da fé e de contribuições financeiras à igreja.
“Historicamente, essas igrejas, que foram conhecidas como neopentecostais, foram meio que cooptadas pelo mercado neoliberal. Ao longo do tempo, esse processo foi se intensificando e se sofisticando. Então, quando você chega a uma Lagoinha, você está num momento de ápice desse processo em que tudo ali é orquestrado com interesses mercadológicos”, explica Aneas.
Segundo Aneas, a espiritualidade foi transformada em um produto que vende autoestima e senso de pertencimento aos fiéis que reúnem nessas megaigrejas.
“O ensino de Jesus é em si sempre contracultural. Então, ele se propõe sempre a ser uma voz crítica, seja dos religiosos, seja do Império Romano, seja de quem for. Nesse caso, você não tem uma voz crítica ao liberalismo, ao sistema capitalista, à sociedade de mercado. Pelo contrário, é uma religião que está operando dentro de um sistema econômico.”
Procurada pelo g1, a Lagoinha de Alphaville não retornou até a última atualização desta reportagem.
Eli Soares, um dos destaques do gospel brasileiro, fala sobre carreira
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