Tartarugas gigantes são monitoradas via satélite e voltam para desovar na praia onde nasceram


Especialistas trabalham com as espécies há mais de 40 anos no litoral Norte do Espírito Santo. g1 acompanhou expedição e flagrou tartaruga gigante. Tartarugas gigantes são acompanhadas por satélites e voltam para desovar onde nasceram
O monitoramento de tartarugas marinhas no litoral Norte do Espírito Santo acontece há mais de 40 anos, o que permite uma compreensão robusta sobre as características dos animais, rotina e hábitos de vida. Os especialistas utilizam métodos tecnológicos e manuais para proteger espécies.
O g1 participou de uma expedição com oceanógrafos e biólogos em Regência, em Linhares, e registrou a desova da tartaruga gigante (ou tartaruga-de-couro), o momento raro até para quem trabalha com esse tipo de animal.
Nesta reportagem, o destaque é para as maneiras que os pesquisadores usam para manter a desova na região e perpetuação dessa e das outras espécies que desovam no litoral, já que algumas tartarugas correm risco de extinção.
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Arte Dermochelys coriacea, popularmente, conhecida como tartaruga-de-couro ou tartaruga-gigante. Espírito Santo.
g1 ES
Tecnologia mostra rastros
Desde o começo dos anos 2000, os pesquisadores passaram a contar com a ajuda da tecnologia para descobrir para onde os animais iam quando passavam longos períodos sem serem avistados na areia e tornar mais assertiva a estimativa de quando as fêmeas voltariam para desovar.
O estudo por telemetria das tartarugas gigantes, com a coleta e transmissão de dados via satélite, foi o primeiro a ser empregado em um programa de proteção a tartarugas marinhas no Brasil. Um transmissor é fixado em algumas tartarugas e, por alguns anos, o equipamento transmite informações sobre a localização do animal.
Ttartaruga-de-couro com satélite.
Bernardo Bracony
O sistema funciona enviando sinais para o satélite nos momentos em que a tartaruga está mais próxima à superfície da água ou sai para desovar. Os dados não são recebidos em tempo real, mas ajudam a traçar a rota dos animais.
“Como a tartaruga-de-couro não tem casco duro, daí inclusive a origem do apelido, a gente fixa o aparelho com um fio de nylon e são feitos dois furinhos para prendê-lo. Toda vez que ela sobe para desovar, ele manda um sinal, que é enviado para uma empresa que faz a decodificação. A gente recebe esse dado e consegue acompanhar a tartaruga ao longo da duração do transmissor, até ela perder ou acabar a bateria”, explicou Alex.
De acordo com o pesquisador, o transmissor não é agressivo para o animal, e possibilita a criação de conhecimento para melhoria de ações de conservação.
“Ele não é agressivo, mas é um pouco intrusivo, porque são dois furinhos no casco. Não tem sofrimento para o animal e a vantagem é que a gente pode acompanhá-la, saber qual o caminho que faz no mar. Imagina essa imensidão do mar, a gente não sabe onde esses animais vão. Quando você consegue entender por onde eles vão, você consegue sobrepor ameaças como pesca, ocupação de portos, exploração de petróleo. A gente consegue entender quais são as ameaças que aquele animal está sujeito”, avaliou.
Tartarugas não têm fronteiras
Atualmente, além de fêmeas adultas, em situações pontuais para essa e outras espécies de tartarugas marinhas, pode ser analisada a viabilidade de instalação do aparelho.
O monitoramento por satélite é fruto de uma condicionante da Petrobras, a partir da exploração da bacia de Santos, e vai acontecer, pelo menos, nas próximas três temporadas reprodutivas, até 2028. O g1 não teve acesso ao valor de cada equipamento.
Monitoramento mostra por onde tartarugas passaram.
Fundação Projeto Tamar
O monitoramento com a ajuda da tecnologia alimenta um mapa de estudos que mostra por onde os animais passam e de onde vieram. Ao longo das últimas décadas, foi constatado, por exemplo, que as tartarugas voltam para desovar na praia em que nasceram.
Já foi possível identificar também, por exemplo, tartarugas-de-couro do Gabão que vieram se alimentar na costa brasileira. Ou animal marcado no Brasil, que encalhou na Namíbia, também na África.
“Não adianta proteger [a tartaruga] em um lugar só, as tartarugas não têm fronteiras, né? Então, por isso que a conservação hoje é um assunto tratado em nível mundial, porque não adianta um país proteger tudo aqui e o outro comendo tudo lá, às vezes a mesma população. Precisamos falar em acordos multilaterais, em convenções multinacionais”, apontou o pesquisador.
Além dos satélites, plaquinhas numéricas de aço também são utilizadas para identificação dos exemplares, processo mais acessível e viável para maior quantidade de instalação em diferentes espécies.
Após a desova, é hora de cuidar dos ninhos
Filhote de tartaruga cabeçuda.
Ana Elisa Bassi
O momento de desova das tartarugas-marinhas nas praias do Norte do Espírito Santo, que geralmente acontece à noite ou madrugada, pode parecer o final de um trabalho bem sucedido de monitoramento que vem ocorrendo há mais de quatro décadas, entretanto, para os pesquisadores, é a partir desta ação que boa parte do empenho começa.
Os ninhos são protegidos, os filhotes recebem ajuda para chegar ao mar e é hora de analisar os dados enviados pelo satélite.
“Depois que a fêmea bota os ovos, ela não volta mais para checar, não confere, não espera os filhotes nascerem. Não existe esse cuidado maternal, que a gente está acostumado a associar”, explicou Alexsandro Santos.
Ninho de tartaruga marinha demarcado e protegido na região da Reserva Biológica de Comboios. Espírito Santo.
Priscilla Nobres
Os pesquisadores adotam uma série de cuidados para aumentar as chances de nascimentos dos filhotes.
“Nós é que fazemos esse papel de olhar se o ninho está bem, se a maré não vai pegar, se a raposa não vai comer, se é preciso colocar uma tela, se os outros não vão mexer. E depois, acompanhar o tempo que passou desde a desova, ficar atento aos pequenos rastros para saber, se nasceram, escavar o ninho para soltar os que não conseguiram sair sozinhos, que poderiam morrer se ficasse ali embaixo. Então, esse papel do cuidado da mãe acaba ficando com a gente. Mas, na natureza, não existe”, reforçou.
Os ninhos identificados no momento da desova ou no dia seguinte recebem número e são documentados, para não haver dúvida sobre a localização e ajudar a prever quando os ovos vão eclodir.
Na temporada de desova 2024, até a primeira semana de dezembro, 1.8673 ninhos foram demarcados em 159 km de praia, no litoral Norte do Espírito Santo.
Dermochelys coriacea (gigante): 100
Caretta caretta (cabeçuda): 1769
Lepidochelys olivacea (oliva): 4
Somando os rastros identificados, cascas de ovos encontradas e abertura dos ninhos, a estimativa é que 6.668 filhotes já tenham nascido, processo que vai continuar ocorrendo até o final março de 2025.
O papel da Reserva Biológica
Reserva Biológica de Comboios, em Linhares. Espírito Santo
Bernardo Bracony
A Reserva Biológica de Comboios é uma unidade de conservação federal, criada em 1984, com o objetivo de proteger essa área de desova de tartarugas marinhas. Atualmente, é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Compreende pouco mais de 800 hectares e protege cerca de 15 quilômetros de praia, próximo à foz do Rio Doce, entre as cidades de Linhares e Aracruz.
“É um espaço pequeno comparado a outras unidades de conservação, mas uma área importantíssima, uma tirinha de praia, mas que protege uma importante região de desova de tartarugas”, falou o responsável pela reserva, Antônio de Pádua.
Os servidores da reserva atuam protegendo a área física e em parceria com o Centro Tamar para o monitoramento das desovas e acompanhamento do processo de reprodução.
“A gente atua na retaguarda, protegendo a área. Ah, então por que as tartarugas escolheram a região para desovar? Eu não sei se foi escolha, mas foi quase uma condição. A reserva foi criada logo após o Tamar, enquanto a região do entorno foi se urbanizando. Então, essa virou uma área segura para as fêmeas se aproximarem”, apontou Pádua.
Região atrai pesquisadores de outros estados
Andrei Santo Antônio, de 34 anos, e Poliana Martins, de 24 anos, trabalham na base do Projeto Tamar em Ubatuba, São Paulo, e estiveram no Espírito Santo para conhecer uma tartaruga-gigante.
Arquivo pessoal
O litoral Norte capixaba atrai pesquisadores do Brasil inteiro e até de algumas partes do mundo. Enquanto esteve no local, a equipe do g1 conheceu biólogos de Ubatuba, que trabalham na base do Projeto Tamar da cidade paulista, e estavam no Espírito Santo para conhecer o trabalho da instituição em outra região e trocar experiências.
“Nós trabalhamos em uma área onde as tartarugas vão se alimentar, é uma área importante de alimentação, principalmente da tartaruga verde. Mas elas não vão desovar. Então, a gente veio para ver isso, ver uma tartaruga desovando, o próprio filhotinho, o ninho, como funciona a dinâmica de trabalho dos colegas. E, claro, ver a tartaruga gigante, que pra gente é algo impensável, extremamente raro”, contou Andrei Santo Antônio, de 34 anos, que realiza monitoramento de campo.
Para a educadora ambiental, Poliana Martins, de 24 anos, o objetivo do intercâmbio foi alcançado.
“Viemos para ficar uma semana, entre Regência e Vitória. Aqui na reserva, no primeiro dia que a gente chegou, já conseguimos ver a tartaruga gigante. […] Foi incrível, eu fiquei emocionada! Na hora, eu fiquei tentando aproveitar cada momento. E aí depois, no caminho, indo embora, eu comecei a chorar de tanta emoção. De assimilar todos aqueles sentimentos”, disse a bióloga.
Andrei Santo Antônio, de 34 anos, e Poliana Martins, de 24 anos, trabalham na base do Projeto Tamar em Ubatuba, São Paulo.
Arquivo pessoal
Há mais de 40 anos, o oceanógrafo Joca Thome estuda tartarugas marinhas, e vê com orgulho a consolidação do trabalho de monitoramento dos animais e a formação de novos pesquisadores.
“A gente tem orgulho depois de tantos anos de trabalho. Continuar vendo aquelas fêmeas antigas, que a gente via no início, ainda voltando para desovar aqui é um orgulho, assim como ver as jovens da espécie aparecendo e se incorporando a essa população. Outro orgulho é ver os jovens [humanos] que estão trabalhando na praia com a gente hoje, de biólogos, oceanógrafos, veterinários, fazendo parte desse trabalho, elaborando, desenvolvendo o que a gente começou. Hoje, eu já tô quase só assistindo tudo, dá muita alegria!”, relatou Thome, que também é coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação das Tartarugas Marinhas e Biodiversidade do Mar do Leste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Arte Dermochelys coriacea, popularmente, conhecida como tartaruga-de-couro ou tartaruga-gigante. Espírito Santo.
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