Como o conflito entre a vontade de ensinar e a insegurança profissional desafiam carreira de professor


Ao g1, docentes da região de Campinas desabafaram sobre encarar as imprecisões da carreira, como os salários baixos e a falta de instabilidade, em meio à motivação em educar. Professores relatam dificuldades em seguir na docência e desafios para futuro da profissão
“A sociedade foi desvalorizando esse papel do professor e, consequentemente, essa desvalorização simbólica também se torna uma desvalorização financeira. Hoje é uma profissão que nós diríamos que é pouco atrativa para alguém que, num país como o nosso, precisa sobreviver”.
A declaração é de Ana Cláudia Fidélis, que há 34 anos atua como professora na região de Campinas (SP). Apaixonada pelo trabalho, ela reconhece que os baixos salários e a falta de valorização desmotivam os docentes e, principalmente, os jovens que estão iniciando na profissão.
O resultado disso é a queda no interesse pela licenciatura, como apontado por um levantamento realizado pela reportagem com dados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Censo da Educação Superior, pesquisa divulgada pelo Ministério da Educação.
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Além da queda de inscritos no vestibular, o índice de evasão nessas graduações também preocupa especialistas: a taxa de abandono nos cursos que formam professores é de 54% enquanto nos demais o volume fica em 31% (confira o balanço completo clicando aqui).
Ao g1, professores relataram dificuldades vividas no dia a dia da profissão e pontuaram os desafios para o futuro da docência, uma vez que os jovens não têm se interessado mais por cursar licenciatura e aqueles que entram para a carreira não têm a perspectiva de segui-la por toda a vida.
(Essa reportagem faz parte de uma série que aborda a queda no interesse por cursos de licenciatura e como esse cenário pode afetar o estoque de professores da educação básica no futuro).
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Motivações e dificuldades
Gabriel Garcia Caldas, de 28 anos, dá aulas de língua portuguesa e literatura há um ano em uma escola estadual e afirma que seu futuro na profissão é incerto. Entre outros desafios, o jovem docente lida com a indefinição do emprego, por trabalhar em regime de contratos, sem um emprego fixo. Outra situação reforçada pelo professor são as horas de trabalho.
“Em algumas escolas, o professor tem que dar aula, tem que fazer substituição, tem que preparar diversos arquivos pedagógicos. E, quando eu fazia isso, ficava de nove a dez horas dentro de uma escola e mesmo assim, tinha que levar coisa para fazer em casa e no final de semana”, fala.
Yohan Macedo, de 30 anos, é professor desde 2019 e leciona no ensino fundamental em uma escola pública de Jaguariúna (SP). Ele é um dos jovens professores que se sentem desmotivados com a profissão. “Atualmente, o que me motiva a continuar é uma pergunta difícil, porque o professor lida com muitas coisas além da disciplina que está lecionando e isso desmotiva um pouco”, diz.
Segundo Yohan, a baixa remuneração é o principal fator que tem desencentivado jovens a seguir a docência
Estevão Mamédio/g1
Para o profissional, a questão mais desmotivadora em ser professor atualmente está mesmo na baixa remuneração. Ele diz que a alta demanda de trabalho de um docente não é recompensada através do salário, desestimulando as pessoas a optarem pela profissão.
“Um exemplo que eu posso dar, inclusive, que eu já vivenciei, é que comparando de um ano com o outro eu tive quatro turmas com cerca de 20 alunos e no outro ano eu tinha quase 40 alunos em cada turma, ou seja, a minha quantidade de alunos dobrou, mas meu salário não mudou”, conta.
Já a professora Layne Silva, de 24 anos, explica que os motivos que a mantém motivada a continuar sendo professora é a possibilidade de reverter cenários, principalmente em escolas localizadas em periferias. “Hoje eu penso em como, através da licenciatura, compartilhar conhecimento com as pessoas que vivem uma realidade muito parecida com a minha”.
“E é muito por entender essa necessidade também de reverter um pouco essa situação, porque, eu sou a primeira da minha família a fazer faculdade, só que eu sei que eu não vou ser mais a última, porque minha família tem uma outra visão sobre a importância do estudo”, diz.
Orgulho de ser professor
Caio Campos sofreu críticas dos familiares quando saiu do emprego na Receita Federal para se formar como professor
Arquivo pessoal
Apesar das dificuldades profissionais, ainda há quem busque a docência como forma de realização pessoal. Há 13 anos, Caio Campos é professor de matemática Campinas (SP) e acredita que os desafios sempre vão existir em todas as profissões.
O docente enfrenta uma “luta diária” por conta das condições salariais e de emprego e, mesmo assim, afirma que a carreira valeu a pena. Caio tem encontrado sua maior motivação na capacidade que o professor tem de “mudar a vida de alguém através da educação”.
“Tem uma questão crucial que é: ser professor é uma das profissões que mais exige você gostar do que você faz, porque a gente lida com 30 crianças, 35 por sala, todo dia. Eles passam cerca de seis horas do dia conosco. Então, a gente acaba se tornando uma referência e se a gente tá ali só pra pagar as contas, tudo fica mais difícil”, pontua.
A professora Ana Cláudia Fidélis defende que é preciso um reajuste no cenário da profissão no Brasil
Estevão Mamédio/g1
A professora e coordenadora pedagógica Ana Cláudia Fidélis compartilha da mesma visão de Caio, quanto ao orgulho de exercer a profissão, mas sem deixar de lado as questões que tem levado a baixa procura por cursos de formação de docentes. Ela conta que a possibilidade da descoberta e da transformação por meio da educação a mantém na carreira que escolheu aos 17 anos.
“Eu sou muito apaixonada pela docência. Então, eu sou suspeita para falar da docência, porque eu sempre vou defender o ser professor, embora eu não tenha uma visão poliana, romantizada sobre o assunto. Eu sei de todas as dificuldades, eu vivo elas, elas são reais”, reitera.
Futuro sem professores?
Segundo uma projeção do Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior (Semesp), divulgada em 2022, o Brasil pode viver um déficit de 235 mil professores em 2040. No mesmo ano, um estudo do INEP afirmou que o país já está vivendo uma “carência de professores na educação básica”.
Ao g1, a coordenadora de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, Natália Fregonese, afirmou que para isso não acontecer o cenário precisa ser revertido a partir da criação de políticas de valorização da carreira que a tornem mais atrativa.
Veja mais detalhes nesta reportagem.
*Estagiária sob supervisão de Yasmin Castro.
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