Protestos marcam primeira audiência sobre concessão da Compesa

“Água não é mercadoria”, foi o grito que ressoou dentro e fora da salão que recebeu a primeira audiência pública sobre a concessão da Compesa. Na manhã desta quarta-feira (15), integrantes do Governo de Pernambuco e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) presentes na sede da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE), na área central do Recife, tentaram convencer a sociedade civil, sindicatos e políticos sobre os benefícios de conceder a distribuição de água e os serviços de esgotamento no estado à iniciativa privada.

O governo defende a concessão como a única forma de atender ao prazo do Marco Legal do Saneamento de universalizar o todo o sistema até 2033. Estudos do BNDES, em parceria com a Secretaria de Recursos Hídricos apontam que, hoje, 87% dos pernambucanos recebe água e apenas 34% tem acesso à rede de esgoto.

Se a média anual de investimento nos serviços da Compesa se mantiver em R$ 1 bilhão, como na última década, o estado não garante que vai atender ao prazo legal. Dessa forma, a meta de cobrir 99% da população com água encanada e 90% com esgotamento seria adiada.

Salão da FIEPE ficou lotado na primeira audiência pública sobre a concessão da Compesa. Foto: LeiaJá

O plano é entregar a distribuição de água nos próximos 35 anos para o setor privado, com a previsão de R$ 18,9 bilhões em investimento. Nesse modelo, a Compesa continua com a captação e tratamento de água – etapas de maior custo operacional -, enquanto as empresas que vencerem o leilão assumem apenas o repasse ao consumidor e o valor da tarifa.

O modelo ainda remaneja a competência dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em todo estado para as concessionárias, exceto na Região Metropolitana do Recife (RMR), onde uma PPP (Parceria Público-Privada) com a BRK Ambiental realiza o serviço de esgotamento em moldes semelhantes à concessão e não atingiu o alcance de atender 90% da região no primeiros 10 anos de contrato.

Concessão deve aumentar conta de água

O Presidente do Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco (Sindurb-PE), José Barbosa, antecipou que a água deve ficar mais cara com a concessão. Ele também reclamou da pressa em torno da aprovação em meio ao recesso legislativo. Com o retorno dos deputados estaduais programado para o próximo dia 3, o debate sobre os moldes do projeto vai se limitar a menos de uma semana, já que o dia 7 de fevereiro marca a data final para contribuições.

“Esse modelo é o ‘Copia e Cola’ do estado de Alagoas, onde a situação geográfica é muito melhor que a de Pernambuco. Alagoas pega água do baixo e do médio São Francisco praticamente por gravidade. Pernambuco faz o contrário, eleva a água. Então, a Compesa gasta muito com bombeamento. Esses custos vão ficar com a empresa que vai tratar e entregar à empresa privada, que vai vender à população. Então, ela vai comprar por um preço muito barato à Compesa e vender por um preço muito caro à população”, apontou Barbosa.

Com o setor privado no controle do abastecimento, a tarifa deixa de ser gerenciada pelo ente público. Nesse ponto, a Agência de Regulação de Pernambuco (ARPE) é a esperança dos consumidores para evitar o pagamento de preços exorbitantes. A entidade vinculada ao gabinete da governadora é a mesma que regula os valores das contas de energia elétrica e passagens de ônibus no estado, já criticadas pela população.

“As agências reguladoras sempre foram muito benevolentes com grupos privados. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), por exemplo, tem dado tarifas muito vantajosas ao ente privado e isso não vai ser diferente aqui no estado de Pernambuco”, ressaltou o presidente do Sindurb-PE.

Grupo protesta contra a proposta de concessão da Compesa em frente à FIEPE. Foto: LeiaJá

Do lado de fora da FIEPE, um grupo levou faixa e entregou panfletos para conscientizar populares sobre os efeitos negativos da concessão da Compesa. Um dos integrantes André Justino disse que é inadmissível a concepção do modelo que, na sua visão, oferece o domínio de todo o sistema hídrico do estado para empresas.

“A gente é contra a concessão por entendermos que é um passo para consolidação da privatização da Compesa. Quem vai lucrar são as empresas que vão estar tomando conta da água da torneira de todos os pernambucanos. Enquanto a população vai continuar sem água na torneira e pagamento conta todo mês. Se você fizer um comparativo da conta da Neoenergia, que é privada, e da conta da Compesa, a da Neoenergia é quase o dobro do preço”, reclamou.

“Água é vida, e não é mercadoria”, defende Justino contra a execução dos serviços sanitários pelo setor privado

Decisão política para frear concessão

A deputada estadual Dani Portela (PSOL) denunciou um movimento de sucateamento da Compesa para oferecer a concessão como a única forma de solucionar a crise de desabastecimento em Pernambuco.

“É o mesmo modus operandi: você precariza para privatizar, para dizer que a empresa não está tendo condição, que não é eficiente. Existem várias situações de falta de manutenção, inclusive de furtos dentro das estações. Á água não pode ser mercadoria, não pode gerar lucro. À medida que uma empresa privatiza, ela vai estar interessada no lucro. A gente está em um dos estados mais desiguais do Brasil e o nosso medo é justamente que esse serviço que já não chega de maneira adequada seja ainda mais precarizado”, se posicionou a deputada.

Dani Portela (PSOL). Foto: Fran Silva/Divulgação

Dani Portela ainda afirmou que falta decisão política para fortalecer a Compesa através de investimentos públicos. Ela lembrou que o governo do estado conta com recursos de empréstimos autorizados pela própria Alepe e que também há a previsão de aportes federais através do novo PAC Saneamento que poderiam ser usados na companhia.

Também estiveram presentes na audiência, a prefeita de Igarassu, Elcione Ramos (PSDB); o deputado federal Pedro Campos (PSB); os deputados estaduais João Paulo (PT), Wanderson Florêncio (Solidariedade), Joaquim Lira (PV) e Waldemar Borges (PSB); e as vereadoras Jô Cavalcanti (PSOL), Kari Santos e Liana Cirne (PT), e Eugênia Lima (PT), de Olinda.

Concessão vai ampliar capacidade do serviço da Compesa

O secretário de Recursos Hídricos, Almir Cirilo, teve a fala interrompida, em mais de uma oportunidade, por gritos de protesto. Ele tentou explicar a importância do investimento privado para expandir os serviços da Compesa e se mostrou sensível em preservar os compeseiros na companhia.

Almir Cirilo, secretário de Recursos Hídricos de Pernambuco capitaneia a proposta de concessão da Compesa. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá

“A gente tem que criar uma Compesa mais forte, mais centrada em uma série de objetivos. Para produzir água, a Compesa precisa também reservar água. Então, [precisamos] construir mais barragens, perfurar mais poços e buscar implementar mais instrumentos. Os investimentos históricos da Compesa não são, nem de longe, suficientes para enfrentar esses desafios. É preciso registrar que esse esforço para aumentar a produção de água vai continuar sendo de responsabilidade do Estado, que vai em busca dos recursos da União, para que a gente consiga cumprir nossa parte”, destacou Cirilo.

Ainda de acordo com o secretário, o plano de concessão também passa pelo fortalecimento da ARPE para evitar que o ente privado defina tarifas e reajustes em seus próprios critérios. O apoio à agência foi um sinal de que o governo vai ficar atendo à regulação tanto na questão de água e esgoto quanto na drenagem e gestão de recursos sólidos, que são de responsabilidade dos municípios.

A pasta também informou que a concessão vai contemplar a Tarifa Social Pernambucana, que amplia a atual Tarifa Social de 70 mil residências para 580 mil, alcançando 1,6 milhão de pernambucanos. A nova tarifa social Pernambucana promete o desconto de 55% para famílias com renda per capita até meio salário mínimo inscrita no Cadúnico/BPC e residenciais da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida.

As outras quatro audiência ocorrerão em Caruaru, no Agreste, nesta quinta-feira (16), e em Salgueiro, Petrolina e Serra Talhada, no Sertão, a partir do dia 21 deste mês.

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