‘Ninguém estende a mão’: o drama de quem tem ‘nome sujo’ em Santa Catarina

Consumidores formam filas para renegociar dívidas no Feirão Limpa Nome da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) no Largo da Alfândega, no Centro de Florianópolis, mesmo sob o sol escaldante do meio-dia de quinta-feira (23).

Consumidores com nome sujo renegociam dívidas no Feirão do SPC

A CDL promoveu o Feirão do SPC e o Feirão de Oportunidades no Largo da Alfândega, na quinta-feira (23) – Foto: Beatriz Rohde/ND

Eles buscam uma alternativa para limpar o “nome sujo” no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito​). O CPF negativado traz dificuldades para a aprovação de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito, compras parceladas e aluguel de imóveis.

O nome de Hildemberg Soares de Lima, aposentado de 70 anos, ainda não está no SPC, mas ele prefere se prevenir contra a inadimplência. Agora que conseguiu um dinheiro extra, aproveita para resolver a situação financeira o quanto antes.

“Não estou com nome sujo ainda, mas como estou com problemas para pagar, quero evitar isso. Porque é horrível ter o nome sujo, você não consegue comprar nem uma bala”, explica.

Ele já não sabe mais o valor que deve ao Koerich, onde pegou três empréstimos de mil reais há um ano. As contas se acumularam em meio a questões de saúde, como diabetes, herpes, problemas cardíacos e um desgaste nas vértebras da coluna, que afeta sua perna esquerda e o obriga a andar de muleta.

“Eu não tenho plano de saúde, estava muito caro e eu desisti”, conta. “Você vai gastando, gastando e gastando. O dinheiro que eu tenho é justamente para comprar remédio e cada um é oitenta reais”.

“É horrível ter nome sujo, você não consegue comprar nem uma bala”, diz o aposentado Hildemberg Soares de Lima – Foto: Beatriz Rohde/ND

A preocupação com as dívidas também afeta o bem-estar de Hildemberg, que relata cansaço e dor de cabeça no dia a dia.

“Eu fico constrangido de entrar numa loja e explicar minha situação financeira, fica chato. Eu sempre fui certinho com as minhas coisas, mas de uma hora para outra fui para baixo. Aí não consegui mais resolver essa situação toda”, lamenta.

“Quando você está afundando, não encontra ninguém que estenda a mão. Você só encontra gente para te afundar mais ainda”, completa.

O idoso já sofreu três infartos. “Fui lá para cima três vezes. Nas três vezes, Deus me mandou descer porque sou avaiano, então volta para sofrer”, brinca.

Além das Lojas Koerich, participaram do Feirão do SPC as empresas Banco do Empreendedor, Casas da Água, Cassol, Instituto Mix, Supermercados Imperatriz, KAB/Kredilig, GolCred e UnixBank.

Na fila para ser atendido, Hildemberg Soares de Lima faz planos para quando quitar a dívida: “A primeira coisa que vou fazer é tomar uma cerveja”.

Em Florianópolis, 7 em cada 10 famílias estão com o nome sujo

Um estudo da Fecomércio SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), divulgado em dezembro, aponta que sete em cada dez famílias estão endividadas na capital catarinense.

Isso representa cerca de 72% das famílias e coloca Florianópolis em 8º lugar no ranking da inadimplência entre as capitais brasileiras. Ainda assim, a cidade registrou a maior redução entre 2022 e 2024, com cerca de 2,1% a menos de casas endividadas.

Ivanir saiu de casa para renegociar uma dívida, enquanto o marido Gentil procura emprego no Feirão de Oportunidades – Foto: Beatriz Rohde/ND

Ivanir Campos, de 48 anos, foi ao Largo da Alfândega assim que soube do Feirão Limpa Nome pela televisão. Ela está com o nome sujo desde o ano passado, quando comprou uma cabeceira de cama nas Lojas Koerich.

A ideia é parcelar a dívida de mil reais, que tem prejudicado a profissional autônoma. “Tem me afetado bastante. Eu preciso de uma máquina de lavar e não consigo comprar”, afirma.

Ivanir veio acompanhada do marido Gentil Rosa, 51 anos, que busca emprego no Feirão de Oportunidades, também promovido pela CDL no Centro de Florianópolis.

“Eu tenho outra dívida também, em uma loja de móveis. Era mil e quinhentos a cozinha, já paguei três mil e agora estão me cobrando mais três mil. Da onde que eu vou tirar?”, questiona a mulher.

Depois que limpar o nome, ela promete não se endividar mais: “Vou cuidar para não sujar, Deus me livre”.

O motoboy André Luiz Carpes, 36 anos, até esqueceu para quem está devendo. “Estou correndo atrás porque não me lembro mais. Não sei se é amnésia”, ele ri.

Motoboy André Luiz espera conseguir 99% de desconto no valor devido – Foto: Beatriz Rohde/ND

O trabalhador não se recorda nem do valor da dívida, só sabe que está com o nome sujo há quatro anos no SPC. Ele tem dois filhos, de 4 e 6 anos, e a inadimplência complica a situação da família.

“Preciso comprar o material de escola para eles e o uniforme. Agora no final do ano, eu também queria ter feito uma compra para uma tia minha que está passando dificuldade”, relata.

Nesses quatro anos, a dívida tem aumentado com os juros. André Luiz espera conseguir um desconto, que no Feirão do SPC pode chegar a 99% do valor devido, com parcelamento em até 48 vezes.

“Eu vim bem cara de pau, com a esperança dos 99% de desconto. Mas vai que pelo menos uns 20 ou 30% eu consiga. De repente poderia dar uma segurada”, torce.

Ele pretende dar entrada em um celular novo e trocar os móveis de casa quando quitar a dívida. “Primeira coisa que vou fazer é falar para minha família: meu nome tá limpo. Para eles verem uma mudança”.

‘Estou pendurada’: idosa carrega nome sujo desde a pandemia e dívida chega a R$ 7 mil

Assim como Hildemberg Soares de Lima, a condição financeira da aposentada Lurdes Rodrigues da Silva Koenig piorou com os problemas de saúde. Aos 82 anos, ela sofre de psoríase e precisa de um óculos novo para o astigmatismo.

A inadimplência com o Koerich se arrasta há mais de cinco anos. “Eu já tentei renegociar outra vez, mas começou a pandemia e atrapalhou tudo, porque eu peguei o vírus e fiquei em casa”, lembra.

Aos 82 anos, dona Lurdes acumula uma dívida de R$ 7 mil e não encontra solução – Foto: Beatriz Rohde/ND

A origem da dívida foi a compra de uma máquina de lavar e uma geladeira. Com os juros, o valor chegou a R$ 7 mil este ano.

“Quando eu preciso comprar alguma coisa parcelado, eu estou lá pendurada”, lamenta. “Eu tenho que mandar fazer óculos, um monte de coisa, e não consigo”.

Com o CPF negativado, a idosa aponta a dificuldade de conseguir um empréstimo bancário: “Eu estou aposentada e não sei como eu faço. Quando a gente não está aposentado ainda, consegue empréstimo. Mas depois, complica tudo”.

Ela é viúva e mora sozinha em São José. Mesmo com a possibilidade de pagar o débito em 24 parcelas de R$ 60, Lurdes não aceitou a oferta do Koerich.

“Eu não posso aceitar uma coisa que eu não posso cumprir depois. Melhor ficar na minha”, pondera.

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