Com dólar em alta, BC deve manter juros em 10,5% ao ano nesta quarta; mercado espera sinalização sobre possível aumento no futuro


Decisão do Comitê de Política Monetária, do Banco Central, será anunciada depois das 18h. Para analistas, elevação do dólar deve pressionar inflação neste segundo semestre. Os diretores do Banco Central e o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, durante reunião do Copom em janeiro do 2024
Raphael Ribeiro/BCB
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) se reúne nesta quarta-feira (31) e deve manter a taxa básica de juros da economia estável em 10,50% ao ano, de acordo com a projeção do mercado financeiro. A decisão será anunciada após as 18h.
Se confirmada a manutenção da taxa Selic, ela permanecerá no menor nível desde fevereiro de 2022, ou seja, em cerca de dois anos e meio. Na comparação internacional, entretanto, a taxa brasileira é a segunda mais alta em uma lista com 40 países.
A decisão do Copom sobre o patamar da taxa de juros acontece em meio à forte alta do dólar, que acumulou aumento, em 2024, de 15,9% até esta segunda-feira (29) – cotado a R$ 5,62. Segundo analistas, isso pode ser mais um fator relevante a pressionar a inflação.
Juro mais alto, por sua vez, tende a inibir uma alta maior da moeda norte-americana.
De maneira geral, a taxa de câmbio pode ter influência nos preços domésticos em diferentes frentes, como por meio da importação de produtos e insumos ou mesmo pela equiparação dos preços praticados no Brasil com o mercado internacional.
Alta do dólar deve pressionar inflação no 2º semestre, dizem especialistas
“A tendência é que a gente venha a sentir esses impactos [do câmbio] a partir de julho em diante. Por isso a expectativa é que haja aceleração inflacionária neste segundo semestre”, afirmou ao g1, neste mês, o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz.
Confiante de que a taxa Selic será mantida estável em 10,50% ao ano nesta semana, o mercado financeiro aguarda uma sinalização, por parte do BC, sobre um eventual aumento de juros nos próximos meses (veja mais abaixo nessa reportagem).
Pressão política
No decorrer deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez críticas reiteradas ao tamanho da taxa de juros – que ele considera elevada, o que impacta o crescimento da economia e a geração de empregos. Nas últimas semanas, porém, Lula não citou diretamente o Banco Central.
O BC tem autonomia em sua atuação, sendo que o atual presidente, Roberto Campos Neto, com mandato até o fim de 2024, foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A instituição diz que seu papel, na fixação da taxa de juros, é técnico, e busca conter a inflação.
Campos Neto tem lembrado que o BC subiu os juros em 2022, ano eleitoral. Também avaliou que os juros são altos no Brasil porque a dívida é alta. “A gente não pode confundir causa e efeito”, disse.
Em seus documentos, o BC informa que um patamar mais alto de inflação prejudica, principalmente, a população de baixa renda.
Em busca de sinais
Em comunicado, o Itaú avaliou que o ambiente externo se tornou um pouco menos adverso, com dados de inflação e atividade econômica nos Estados Unidos.
Isso trouxe a perspectiva de que o ciclo de cortes de juros, na economia norte-americana, pode começar nos próximos meses, antes do esperado.
Por outro lado, a instituição financeira avaliou que a alta do dólar, ligada a questões globais e internas (com dúvidas a respeito dos rumos das contas públicas), e dados de atividade econômica, “mostrando um quadro de resiliência e de aquecimento do mercado de trabalho”, seguem como fatores de pressão inflacionária.
“Com esse pano de fundo, entendemos que a política monetária [definição da taxa de juros pelo BC] se encontra no limiar de uma inflexão (nossa simulação dos modelos do BCB aponta que, nas condições atuais, a patamar de Selic necessário para levar a inflação à meta no horizonte relevante já seria de pelo menos 11,00% ao ano)”, informou o Itaú.
Por conta disso, a instituição aguarda as sinalizações do BC sobre os movimentos futuros na taxa de juros.
Beto Saadia, Diretor de Investimentos da Nomos, observou que as expectativas de inflação do mercado ficaram ainda mais “desancoradas”, em relação às metas, e que a inflação corrente também não ajudou, enquanto as contas públicas continuam incertas.
“Por tudo isso, já faria sentido um aumento da Taxa Selic. A curva de juros [no mercado futuro] precifica 100 bps [1 ponto percentual] de alta somente este ano. E precifica 180bps [1,8 ponto percentual até o fim de 2025. Essa precificação não se trata somente de prêmio de risco, de investidores fazendo hedge posições, mas tem fundamento macro a partir da própria função de reação do Banco Central”, avaliou Saadia, da Nomos.
Em maio, o Copom defendeu uma atuação “firme” e “vigilante” para conter a inflação e não afastou “eventuais ajustes futuros” (para cima) na taxa de juros.
Efeitos na economia
Copom defende em ata atuação ‘firme’ e não afasta ‘eventuais ajustes futuros’ nos juros
De acordo com especialistas, uma taxa de juros maior no Brasil tende a ter algumas consequências na economia. Veja abaixo algumas delas:
▶️ Reflexo nos juros bancários: a tendência é que a contenção da queda da Selic influencie as taxas cobradas dos clientes bancários. Em junho, a taxa média de juros cobrada pelos bancos em operações com pessoas físicas e empresas teve queda de 0,3 ponto percentual.
▶️Crescimento da economia: com juros mais altos, a expectativa é de um comportamento mais contido do consumo da população e, também, de mais dificuldades aos investimentos produtivos, impactando negativamente o Produto Interno Bruto (PIB), o emprego e a renda. Nos últimos meses, os dados de atividade têm surpreendido positivamente.
▶️ Piora das contas públicas: juros mais altos também desfavorecem as contas públicas, pois aumentam as despesas com juros da dívida pública. Em doze meses, até junho de 2024, a despesa com juros somou R$ 835,7 bilhões (7,48% do PIB).
▶️Impacto nas aplicações financeiras: investimentos em renda fixa, como no Tesouro Direto e em debêntures, porém, teriam um rendimento maior, com o passar do tempo, do que seria registrado com juros mais baixos. Isso pode contribuir para diminuir a atratividade do mercado acionário.
Como as decisões são tomadas
Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia. Neste momento, a instituição já está mirando na meta deste ano, e também para o segundo semestre de 2025 (em doze meses).
A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida;
Na semana passada, os economistas do mercado financeiro estimaram que a inflação de 2024 somará 4,10% e, a de 2025, 3,96%. Ou seja, acima da meta central nos dois anos.
As previsões do mercado financeiro subiram relação ao patamar vigente, por exemplo, há três meses atrás. No começo de março, a projeção dos analistas estava em 3,74% para a inflação de 2024 e em 3,50% para o IPCA do próximo ano.
Em março, o Banco Central estimou que as projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência estavam em em 3,5% em 2024 e 3,2% em 2025. Já no fim de junho, o BC estimou uma inflação de 4% para 2024 e de 3,4% para 2025.
Com isso, as projeções dos analistas, e também do BC, estão se distanciando as metas centrais de inflação, fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Eventos dos últimos meses
As expectativas de inflação deste ano e de 2025 começaram a subir com mais intensidade após alguns eventos que aconteceram na economia nos últimos meses. São eles:
Em meados de abril, o governo federal propôs reduzir as metas de superávit primário para as contas públicas dos próximos anos. Se confirmadas pelo Legislativo, as novas metas possibilitarão um aumento de despesas de cerca de R$ 160 bilhões em 2025 e 2026. Mais gastos, por sua vez, tendem a pressionar a inflação;
As enchentes no Rio Grande do Sul também estão pressionando a inflação, pois alguns itens de alimentação com origem no estado, como arroz por exemplo, tendem a ter aumento de preços. O próprio Ministério da Fazenda já elevou sua estimativa de inflação por conta disso, assim como os agentes do mercado estão fazendo;
Houve um “racha” na diretoria do BC na reunião do Copom em maio, quando aconteceu uma diminuição no ritmo de corte dos juros – fixando a Selic em 10,50% ao ano. O temor do mercado é que a diretoria do BC indicada pelo presidente Lula – com maioria no Copom a partir de 2026 –, possa ser mais leniente com a inflação, em busca de um ritmo maior de crescimento da economia
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