Pesquisa inovadora no Nupem pode ajudar na neurorregeneração

Organismos marinhos pertencentes ao filo Chordata e ao subfilo Tunicata, as ascídias abrangem mais de 3 mil espécies em todos os habitats marinhos, com uma infinidade de formatos e cores, isoladas ou em grupos. Consideradas importantes bioindicadores, elas têm grande poder de filtração, exercendo papel na purificação da água, na disponibilidade de nutrientes, poluentes e do plâncton, pois se alimentam de material em suspensão.  

Esses seres encantaram a pesquisadora Cíntia Monteiro de Barros desde a época em que foi bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ, durante sua graduação em Biomedicina na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), quando ela começou a se dedicar ao estudo desses animais que, em sua simplicidade, apresentam um grande potencial farmacológico e regenerativo.

Após investigar profundamente a morfologia e fisiologia das ascídias, e ter estudado suas moléculas com poder anticoagulante, em 2010, já com o Doutorado em Ciências Morfológicas concluído e trabalhando no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nupem/UFRJ), no campus Macaé, Cíntia passou a focar suas pesquisas no modelo do sistema nervoso desses animais.

Com o apoio da bolsa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, a pesquisadora e sua equipe descobriram que as ascídias possuem cérebro, e sua estrutura é semelhante ao dos vertebrados. O estudo utilizou várias ferramentas, entre elas a biologia molecular e PCR. O grupo identificou nas ascídias células semelhantes aos astrócitos, até então só conhecidos principalmente nos vertebrados. Diferente dos neurônios, esse tipo de célula do cérebro humano é responsável pela comunicação, pelo controle do fluxo de substâncias e pela manutenção das células nervosas saudáveis.

 

Phallusia nigra (esq.) e Styela plicata são duas ascídias pesquisadas pela equipe no Nupem (Fotos: Allan Figueiredo e Thuany Nogueira)

 

“Esses animais marinhos, considerados simples, são um excelente modelo para o estudo do sistema nervoso”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, suas similaridades com os seres humanos, até então desconhecidas, possuem um diferencial importante para a ciência: seu cérebro é capaz de regenerar mesmo quando este é totalmente retirado. E são justamente os astrócitos que participam do mecanismo de regeneração, pois não formam uma cicatriz glial como nos humanos – o que impede o processo regenerativo. “Estudando esse mecanismo mais profundamente é possível abrir novas possibilidades para o desenvolvimento de terapias de neurorregeneração para tratar lesões e doenças no sistema nervoso humano”, afirma a pesquisadora.

O artigo foi publicado na prestigiosa revista científica Glia, especializada em neurobiologia, sob o título “Identificação de células semelhantes aos astrócitos em ascídias adultas durante a regeneração do sistema nervoso central”. Dentre as doenças degenerativas que a descoberta pode favorecer estão o Parkinson e o Alzheimer. “Nossa pergunta é: por que os astrócitos das ascídias, que possivelmente originaram os nossos, se comportam diferente? Precisamos descobrir se há alguma via de sinalização que possa ativar mecanismos adormecidos e fazer com que os nossos astrócitos também tenham essa capacidade”, esclarece Cíntia.

 

Cíntia Monteiro de Barros: para a pesquisadora, o estudo pode contribuir para o desenvolvimento de terapias de neurorregeneração

 

Graduada em Biomedicina pela UFRJ e em Farmácia pela Universidade do Grande Rio, Cíntia é doutora em Ciências Morfológicas e pós-doutora em Neuro-histologia e Ultraestrutura, ambas na UFRJ. Atualmente, além de professora, Cíntia é diretora do Nupem. Segundo ela, o trabalho desenvolvido no Instituto ajuda a formar recursos humanos para além das capitais, deslocando o foco da capacitação para o interior. 

A pesquisadora aposta no potencial químico e bioquímico das ascídias, que tanto no Brasil quanto em outros países têm proporcionado a identificação de propriedades farmacológicas, em especial como agente antitumoral. Consumida como iguaria em países como Japão e China, as ascídias possuem carboidratos complexos, moléculas que originaram fármacos com poder de regenerar até 70% células nervosas humanas em cultura. Segundo Cíntia, além de essas descobertas ampliarem a compreensão sobre a biologia evolutiva das células gliais, elas abrem novas possibilidades para tratamentos que estimulem a regeneração neuronal.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.